Breve História do Montanhismo

O século XIX

De cima para baixo: Aiguille du Midi (3.800m) e o Mont Blanc du Tacul (4.248m), ambos em Chamonix.

Ao longo do século XIX, o Mont Blanc passou a dividir as atenções com outras montanhas dos Alpes, mas mesmo assim continuou sendo palco de realizações históricas. A primeira ascensão feminina ao Mont Blanc, por exemplo, aconteceu em 1808. Depois, em 1856, o físico e filósofo irlandês John Tyndall passou uma noite acampado no cume. O Mont Blanc começou a atrair também escritores, pintores e artistas de toda a Europa. O pintor britânico John Ruskin chamou o maciço do Mont Blanc de “as catedrais da Terra”.

As montanhas vizinhas ao Mont Blanc foram aos poucos também sendo subidas. Em 1818, a Aiguille du Midi (3.800m) foi escalada. Em 1855, foi a vez do Mont Blanc du Tacul (4.248m) e, em 1872, a Aiguille de Leschaux (3.759m). Em 24 de julho de 1821 foi fundada a primeira e mais prestigiosa associação de guias de montanha do mundo, a Compagnie des Guides de Chamonix. A maioria das ascensões da época eram verdadeiras expedições, como a de Saussure, com porteadores e pesados equipamentos.

É no início da segunda metade do século XIX que começa a surgir certa infraestrutura para facilitar as ascensões dos alpinistas nos Alpes. No Mont Blanc, em 1853, é construído o refúgio Grands Mulets, sobre a antiga cabana de Saussure, no que é hoje chamada de via histórica. Em 1858, faz-se uma cabana na Aiguille du Goûter, a 3.817m, de onde hoje se parte para atacar o cume pela rota normal. Finalmente, em 1890, surge o refúgio Vallot, a 4.262m, também na rota normal, construído como base de apoio para as pesquisas científicas do meteorologista e botânico Joseph Vallot.

O alpinismo, na primeira metade do século XIX, teve forte motivação científica. A alta montanha era um universo absolutamente novo, que despertava a curiosidade de pesquisadores dos mais diversos campos do saber. Depois, a partir de 1850, o alpinismo deixou a aura científica e passou a ser visto e praticado como um jogo, um esporte. Foi aí que ele viveu o que ficou conhecido como os anos dourados do alpinismo. Tomados de uma verdadeira febre ascensionista, alpinistas europeus, mais especialmente ingleses, passaram a conquistar todo e qualquer cume virgem. Para se ter uma ideia, somente nos Alpes, entre 1863 e 1865, foram registradas primeiras ascensões de mais de 100 cumes principais.

O Matterhorn (4.478m), também conhecido como Cervino, entre a Suíça e a Itália. Foto Jorg Schuler.

Também nesta época dourada e de grande efervescência surgiu entre os alpinistas o interesse em se reunir e organizar, o que levou à criação de inúmeros clubes e associações. Em 1857, foi fundado em Londres o primeiro clube de montanha da história, o The Alpine Club. Entre 1859 e 1862, ele publicou três volumes com narrações de montanhistas pioneiros, chamados “Picos, Passos e Glaciares”, que deram origem ao Alpine Journal, primeira publicação periódica dedicada ao montanhismo. Logo depois surgiram os clubes alpinos austríaco, suíço, italiano e alemão. Em 1874, foi fundado o Club Alpin Français, que apenas um ano depois já contava com mil sócios. Foi o britânico Albert Frederick Mummery, porém, quem criou as bases do alpinismo moderno, no final do século XIX. Com o tempo, já conquistados os cumes ainda virgens, a graça do jogo passou não mais a escalar um cume pela primeira vez, mas sim alcançá-lo pelo seu lado mais difícil e desafiador. A mudança de mentalidade exigia novos materiais, foi então que surgiram os primeiros antecessores dos piolets e grampões, e quando se começou a usar cordas nas escaladas com o objetivo de proteger os escaladores.

O Aconcágua (6.959m) na Argentina.

Até o final do século XIX, várias dezenas de montanhas haviam sido conquistadas, não só nos Alpes, mas também em outras partes do planeta: em 1865, o Matterhorn (4.478m) – Cervino para os italianos -, na divisa Suíça-Itália; em 1880, o Chimborazo (6.310m) no Equador; em 1889, o Kilimanjaro (5.895m) na África, e o Aconcágua (6.959m) em 1897, na Argentina. Tais ascensões difundiram o termo alpinismo pelos quatro cantos do mundo, tornando-o sinônimo de montanhismo, apesar dele ser originalmente um termo regional, assim como andinismo e himalaismo.

O Petit Dru (3.733m) em Chamonix.

Também são dessa época três conquistas de destaque, nas montanhas da região de Chamonix: o cume do Grand Dru (3.754m) em 1878, depois de resistir a 18 tentativas; o Petit Dru (3.733m) em 1879, quando o rapel foi inventado; e o Dent du Géant (4.013m) em 1882, primeira montanha a ser equipada com cordas e cabos, o que foi feito ao longo de quatro dias pelos sete irmãos Maquignaz. Em 1886, portanto 100 anos depois de sua primeira ascensão, cerca de três mil pessoas já haviam tentado o Mont Blanc, das quais aproximadamente metade chegou ao cume, entre elas 67 mulheres. Foi por essa época que alguém escreveu que grande parte “era constituída de pessoas com uma mente doentia”. Entre tantos “doentes”, curiosamente, estava o italiano Ambrogio Damiano Achille Ratti, que chegou ao cume em 1890, guiado pelos irmãos Bonin, descendo em seguida pelo lado italiano. O Sr. Ratti, não sabia então, que o mundo o conheceria pelo nome que adotou ao ser eleito papa, Pio XI, em 6 de fevereiro de 1922. Além do Mont Blanc, ele também escalou o Cervino (Matterhorn), o Presolana (2.521m) e conquistou uma via no Monte Rosa (4.634m), ao fazer a primeira travessia de Macugnaga a Zermatt. Anos depois, a via de Ratti no Mont Blanc ficou conhecida como Via do Papa, sendo hoje a rota normal pelo lado italiano.