Breve História do Montanhismo

A década de oitenta

A década de 1980 foi o período mais fértil e importante no desenvolvimento do montanhismo nacional. A evolução do equipamento, o conceito de MEPA, a conquista de vias de grande dificuldade e a escalada esportiva, mudou a forma de se escalar e de pensar dos escaladores. Como escreveu Antônio Paulo Faria, no livro Montanhismo Brasileiro – Paixão e Aventura (Editora Publit): “O que fazemos hoje depende profundamente das realizações conseguidas naquela década”.

Paulo Macaco, de Kichute, na Via dos Italianos (Pão de Açúcar), no início dos anos 1980. Foto Antônio Paulo Faria.

Apesar das primeiras sapatilhas importadas terem chegado ao Brasil por volta de 1978, a grande maioria no início da década de 80 ainda escalava com calçados improvisados, como o Conguinha e o Kichute. Com o passar dos anos as botas ficaram mais acessíveis, o que fez com que os escaladores migrassem de um para o outro. Um fato que ajudou este processo foi o surgimento no Paraná, em 1986, da Natisnake, hoje Snake, que lançou a primeira bota nacional.

Uma bota que revolucionou bastante a escalada, não só no Brasil, foi a Fire, o primeiro modelo da marca espanhola Boreal. A sola era de goma cozida, o que garantia uma aderência muito melhor que a das outras botas, facilitando as escaladas em aderência. Era o sonho de consumo de muitos escaladores brasileiros.

Alexandre Portela e Marcelo Braga, na conquista da via Limiar da Loucura (VIIc), em 1983. Foto André Ilha.

O ritmo de conquistas, que havia se intensificado nos anos 70, continuou se acelerando nos 80, com a conquista de mais de 100 vias só na Urca. Mas, tão marcante quanto o número de vias abertas, foi a contínua eliminação dos pontos de apoio na escalada, pois até então era normal se apoiar, pisando ou segurando, nos grampos. Este processo foi documentado no Catálogo de Escaladas do Estado do Rio de Janeiro que André Ilha e Lúcia Duarte publicaram em 1984, onde foi cunhada a expressão ‘Máxima Eliminação de Pontos de Apoio’ (MEPA). Esse era um movimento que acontecia em outros países também, como na Alemanha, com o nome de rotpunkt ou traduzindo, ponto vermelho (veja no quadro).

Desta forma, em 1981, o Ás de Espadas, que tinha o grau 5º Vsup, foi feito inteiramente em livre, ou seja, sem pontos de apoio, por André Sant’Anna, o ‘Papel’, usando um simples Conga e já com a ajuda do magnésio, alterando assim o grau da via para 6º VIsup.

Outros destaques da MEPA foram o Roda Viva, que era graduado em 4º IVsup e que passou a ser 4º VI depois de ser ‘mepado’ em 1982, por Sérgio Poyares e Sérgio Bruno; logo depois o Secundo teve seu grau elevado de V para VIIa, quando foi escalado, em janeiro de 1984, totalmente em livre, pelo norte-americano Russ Clune. Dois meses depois, o Lagartão foi escalado com apenas um ponto de apoio por Sergio Tartari, o que mudou a graduação de 6º VI A1 para 6º VIIc; e no Pico da Tijuca-Mirim Alexandre Portela fez em livre a Fissura Primus, graduando-a em oitavo grau.

 

A via Pássaros de Fogo segue a esquerda da mancha escura à direita na foto.

Na década de 80, foram conquistadas algumas das melhores vias do Pão de Açúcar, entre elas, o Waldo (1983); Xeque-Mate (1984); Caixinha de Surpresa (1988) e Cisco Kid (1988). Mas, as mais marcantes foram a Pássaros de Fogo (6º VIIa) e a Limiar da Loucura (7º VIIc), ambas abertas em 1983.

A via Pássaros de Fogo foi aberta por André Ilha, Sergio Tartari e o americano David Austin. Ela foi a via de maior nível técnico já conquistada até então sem nenhum artificial, tornando-se um marco, pois já nasceu VIIa, diferente de outras vias, que foram conquistadas em artificial e depois feitas em livre.

Logo a seguir, ainda em 1983, Alexandre Portela e Sergio Tartari conquistaram o Limiar da Loucura, a primeira via a passar na face oeste do Totem. Ela traça uma bonita linha, em boa parte protegida em móvel, seguindo um sistema de fendas que tem início na via Lagartão. Foi conquistada também inteiramente em livre, sendo o primeiro VIIc conquistado sem artificial. Hoje está cotada em VIIIa.

Rotpunkt

lendário escalador alemão Kurt Albert e seus companheiros, no final da década de 1970. Até então, não existia o que conhecemos hoje por escalada esportiva. Se havia um trecho difícil em uma via, era comum bater um piton e passar o lance em artificial, usando estribos e apoiando-se nos pitons.

Em 1975, Kurt Albert teve a ideia de escalar algumas das vias do local que costumava frequentar sem se apoiar nos pitons ou grampos. Seu objetivo era subir sem nenhum apoio artificial, dependendo somente de sua habilidade e força. Foi aí que ele e seus amigos tiveram a ideia de pintar um ponto vermelho em cada piton que antes servia de apoio e que eles conseguissem ultrapassar sem tocá-lo, usando-o apenas para fazer a costura, ou seja, realizando o lance em livre. Depois decidiram colocar apenas um pequeno ponto vermelho na base das vias que já haviam feito em livre. Esse ponto vermelho influenciou as próximas gerações a tentar escalar da mesma forma que aquele grupo escalava. Foi o nascimento da escalada esportiva, que só se consolidaria na década seguinte.

Movimentos assim surgiram mais ou menos na mesma época em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, com o nome de Mepa – Máxima Eliminação de Pontos de Apoio. Hoje em dia, o termo red point é conhecido e utilizado por escaladores do mundo inteiro.