Peru 2009 – Alta Montanha, por Aleomar Gallasi
Alpamayo, Huascarán e Pisco
Ano passado, depois que voltei da Bolívia, com uma bem sucedida expedição de quatro montanhas escaladas acima dos 5.000m e uma acima dos 6.000m, comecei a pensar qual seria minha próxima expedição em alta montanha. O Peru era uma opção, mas só fui me decidir, quando lendo os e-mails recebidos da lista de discussão Hang On, encontrei o de um colega com várias dicas sobre Huaraz e suas montanhas. Não tive mais dúvida… iria mesmo para o Peru!!! Iniciei imediatamente a busca por informações mais detalhadas e constatei que o nível de dificuldade destas montanhas era bem mais elevado que as da Bolívia, então comecei a treinar… e a treinar muito.
As escaladas em alta montanha no Peru se concentram em duas cordilheiras: a Blanca e a Huayhuash. Ambas são braços da Cordilheira dos Andes e por possuírem várias montanhas íngremes e técnicas, muitas acima dos 6.000m, são consideradas por grande parte dos montanhistas, como o melhor lugar do mundo para se escalar alta montanha fora do Himalaya. Esse alto nível acabou me motivando ainda mais, pois, além de me divertir, queria estender um pouco mais meus limites.
Cordilheira Blanca
A Cordilheira Blanca por ser um pouco mais acessível e conhecida que a Huayhuash é a mais procurada. Tem 180 quilômetros de extensão por apenas 20 de largura. Localizada a norte de Lima e disposta paralelamente a 100 quilômetros do Pacífico, possui 25 montanhas acima dos 6.000m e outras 35 acima dos 5.700m. É nela que se encontram as duas mais famosas montanhas do Peru: o Huascarán 6.768m, a mais alta montanha tropical do mundo e a mais alta do país, e o Alpamayo 5.947m, considerada a “montanha mais linda do mundo” em uma exposição fotográfica realizada em Munich, Alemanha, em 1966. Eram essas duas, além do Nevado Pisco 5.752m, que eu tinha planejado escalar. Era um objetivo audacioso, mas eu estava confiante.
Nevado Pisco
Peguei o avião em São Paulo para Lima e logo em seguida o ônibus para a cidade de Huaraz, porta de entrada para Cordilheira Blanca. Cheguei em Huaraz e depois de dois dias na cidade, entre acerto de detalhes e aclimatação em Laguna Churup, parti para quatro dias de escalada ao Nevado Pisco. Das três montanhas que queria escalar, esta era a mais fácil.
Subimos no primeiro dia, Daniel (guia), Cleber (porteador) e eu, até Campo Base 4.650m, por uma trilha fácil de três horas, mas que pra mim que ainda estava começando, parecia ter levado muito mais tempo. Apartir deste Campo pode-se fazer o ataque ao cume numa desgastante jornada de 15 horas entre ida e volta, não é a melhor opção para quem quer se aclimatar, mas muitos o fazem. Eu optei por fazer da maneira mais leve, pois queria, além de curtir o visual, me aclimatar bem para o Alpamayo e o Huascarán. Subimos então no segundo dia até Campo Morena, 4.900m, e começamos a nos entrosar para iniciarmos com o pé direito nosso contato com as montanhas e o ar rarefeito, mas com a excitação acabei pondo o esquerdo na frente.
Acordamos pela madrugada, comemos alguma coisa e saímos sob vento e céu estrelado. Logo que começou a amanhecer parei para pegar minha máquina fotográfica para registrar o maravilhoso alvorecer na cordilheira, e percebi a besteira que tinha feito. Na ansiedade de se equipar e começar logo a caminhada, esqueci a bendita máquina dentro do saco de dormir. Não podia acreditar naquilo… louco para registrar meus momentos na montanha e o único equipamento que tinha para isso, havia ficado na barraca. Bem… cheguei no cume, o céu estava completamente aberto e tive que guardar apenas na memória toda aquela imensidão de montanhas lindíssimas. Demorei quase a viagem inteira para me perdoar.
Alpamayo
Depois que voltei do Pisco, descansei um dia na cidade e parti para mais 6 dias de ralação. O Alpamayo era meu maior desafio. Tínhamos decidido, Daniel e eu, de fazermos a via Francesa, a mais difícil, porém a menos perigosa de toda a parede. Ela é duas cordadas mais longa que a Via Ferrari (normal), possui inclinação constante de 75 graus, com uma última cordada empinada de 90 graus (que acabou chegando a 95 graus!), mas não possui em seu topo os temidos “seracs cai, não cai”. Se conseguíssemos, seríamos a primeira cordada a visitar o cume este ano. Quatro expedições tentaram antes (mexicanos, franceses, espanhóis e polacos), mas falharam.
Os dois primeiros dias de aproximação até campo base, são feitos pela Quebrada Santa Cruz, uma linda planície, majestosamente banhada por uma azulada laguna e ladeada por imensos paredões rochosos. É um cenário lindo e uma caminhada deliciosa.
No terceiro dia as coisas mudam bastante. O acesso para Campo 1, é feito pelo glaciar sudeste da montanha, com a escalada de uma parede de 50 graus de inclinação. O dia é puxado, mas imensamente recompensado quando no final da parede, a monumental face sudoeste do Alpamayo se apresenta com todo seu esplendor. É uma visão de tirar o fôlego. Confesso que quando cheguei ali, demorei a acreditar onde estava. Vários meses sonhando com aquela montanha e agora eu estava bem em sua frente. Fiquei parado por um bom tempo admirando toda aquela maravilha e imaginado como seria estar no seu cume. Sabia que a partir de agora a coisa não seria fácil… e não foi!
Levantamos à 0:00hs no Campo 1, nos equipamos, comemos algo e saímos, Daniel e eu, em direção à parede. Como ainda não havia rota, tivemos que abri-la com neve pela cintura. Não foi tarefa fácil, demoramos quase duas horas para chegarmos a rimaya. Já aos pés da parede descansamos um pouco, trocamos algumas ansiosas palavras e começamos a escalada. Era impagável a sensação de estar ali, escalando a “montanha mais linda do mundo”, e de saber que se conseguíssemos chegar no cume, seríamos os primeiros da temporada. Apesar do frio de -18 graus e da incrível inclinação da parede, subíamos num ritmo muito bom. Quando chegamos na última enfiada as coisas endureceram bastante. A inclinação que deveria estar em torno de 90 graus, o que já era demais, estava com 95 graus(!!) e a neve depositada acima desta parede, estava completamente fofa. Foi uma tarefa extremamente desgastante, principalmente para Daniel que ia à frente. Mas depois de quase três horas de luta para superar esta enfiada e sob tempo completamente fechado, chegamos vitoriosos no cume. Vários meses de preparação e estudo, agora eram recompensados pela conquista. Saboreamos, mesmo com visibilidade zero, toda a glória dos vencedores. Nos abraçamos e em seguida iniciamos as três horas de rapéis até o glaciar, onde chegamos sãos e salvos. No total foram cerca de 15 horas de atividade contínua. Chegamos nas barracas desidratados e eu, extremamente cansado. Minha maior conquista até hoje como montanhista.
Huascarán
Voltando do Alpamayo, descansei um dia em Huaraz e parti para mais seis dias de montanha. Estava crente que agora as coisas não seriam tão difíceis. Mas me enganei… e como!!!
O Huascarán, pela sua rota normal, não é uma montanha tão técnica, mas é longa e perigosa, bem acidentada e com enormes seracs dispostos bem acima do percurso de ascensão. Daniel, com toda sua experiência, optou por fazer a via Aresta do Escudo, uma via mais exigente que a normal, mas que saía do alcance dos enormes blocos de gelo. Esta via implicava, além de uma maior dificuldade, num ataque direto de Campo 1, ou seja, enfrentaríamos cerca de 18 horas de escalada, com uma parede bem íngreme pelo caminho. Cleber, nosso grande porteador e cozinheiro, que até então sempre nos esperava no último acampamento, iria conosco e se revelaria, mais tarde, minha grande salvação.
Nos arrumamos e praticamente sem comer, saímos às 22:30hs de Campo 1, rumo ao sopé da via. Assim que deixamos o glaciar e começamos a subida, a montanha se rebelou. O vento que até então estava brando, aumentou severamente sua força e começou a nos açoitar com grande quantidade de neve e gelo, e à medida que subíamos, a temperatura caía drasticamente. Foi quando, após quatro horas de escalada, duas enfiadas de 45 graus e já acima dos 6.100m, a situação ficou insuportável. A Temperatura tinha caído para -25 graus e com os pés congelados, as mãos debilitadas e o rosto insensível, percebi que se não saísse imediatamente da parede, correria sério risco de vida. Falei pro Daniel sobre minha situação e mais que depressa começamos a descer e foi aí, que Cleber se transformou em meu anjo da guarda. Rapelando primeiro, montava eficazmente a próxima parada com estacas e tornilhos, e me recebia com segurança no final do meu rapel. Isso facilitou sensivelmente minha situação, pois no estado em que me encontrava, tendo que ser ajudado por Daniel para passar a corda no ATC, não sei se teria condições de manusear toda aquela parafernália de equipamentos. Por fim saímos da parede sem maiores conseqüências e recebemos, quase da pior maneira, a porta na cara da montanha. Essa foi a situação mais perigosa que já passei numa montanha. Agradeci imensamente a Deus e a Virgem Maria, por voltar inteiro para a barraca.
Ao todo foram 23 dias de pura emoção. Meu muitíssimo obrigado a Daniel e a Cleber, por toda gentileza e atenção gastas comigo. Tenho a certeza que deixei dois grandes amigos no Peru.
É isso aí pessoal! Ano que vem estarei indo para os vulcões do Equador. Na volta eu relato com foi. Grande abraço a todos e até lá!!!
Huaraz
A cidade de Huaraz fica a 400 km ao norte de Lima, está a 3.100 metros de altitude e é o ponto de partida para as escaladas e trekkings em ambas as cordilheiras. Mas não pense que você está indo para uma cidade bela e tranqüila aos pés das montanhas. Huaraz, além de não ser nada pitoresca, é uma cidade muito barulhenta, com um “buzinasso” sem fim no trânsito e som alto em quase todo lugar que se entra, inclusive nos táxis e lotações. Apesar disso tem uma boa estrutura e na Avenida Luzuriaga o viajante encontra praticamente tudo o que precisa para ir pra montanha.
Para chegar a Huaraz, a melhor opção é pegar um ônibus em Lima e enfrentar oito horas de estrada. Há algumas empresas que fazem o trajeto, mas duas são as recomendadas: Mobil Tours e Cruz del Sur. Escolhi a Mobil Tours. Ambas são bem seguras e seus ônibus possuem poltrona-cama e servem até um mini-almoço (mas se estiver com fome coma antes, pois não há parada durante o percurso).
Uma opção que escolhi foi pegar o vôo da TAM que sai às 8:35hs de São Paulo e chega a Lima às 11:35hs, horário que permite ainda no mesmo dia, pegar o ônibus para Huaraz que sai às 13:00hs.
Onde Comer:
Há inúmeras opções de restaurantes, mas alguns são recomendados:
– Café Andino, paralelo a Av. Luzuriaga, Rua Jirón Lucar y Torre (na esquina tem uma lavanderia)
– El Horno, próximo a Casa de Guias, no Parque del Periodista;
– Encuentro, em frente ao El Horno;
Hospedagem:
Há inúmeras opções, mas esta é muito recomendada, pois além de uma ótima pousada, é um lugar freqüentado somente por montanhistas e caminhantes, tendo muita informação sobre montanhas e trilhas. Diária s/ café da manhã 15 dólares:
– La Casa de Zarela www.lacasadezarela.com, zarelaz@hotmail.com
Rua Jirón Julio Arguedas, 1.263 próximo a Igreja de La Soledad
Lojas de equipamentos e agências:
A mais bem equipada loja de equipamentos é a Tatoo, do lado da Casa de Guias no Parque Ginebra.
Há inúmeras agências em Huaraz, aqui estão duas:
– JM Expeditions, próximo a Casa de Guias no Parque Ginebra
– Galáxia Expeditions próximo a Casa de Guias, no Parque Del Periodista.
Dicas: pergunte nas lojas e agências sobre equipamentos usados. É fácil achar boas roupas de montanhas por preços muito bons.
Guia de Montanha:
Um guia excelente, credenciado há quatro anos, com muita experiência e que recomendo com toda segurança, é Daniel Milla danieljmll@hotmail.com fone:0051-43-943601427. Para organizar melhor a expedição e saber quantos dias é necessário, entre em contato com ele e peça um cronograma das montanhas que deseja fazer.
Dica: o meu porteador se chamava Cleber, ele é primo de Daniel, é um cara MUITO forte, um excelente cozinheiro e uma pessoa muuuito gentil. Daniel tem seu telefone.
Preços:
As coisas não são muito baratas no Peru. O câmbio em Maio/Junho2009 estava em torno de 3 soles para 1 dólar.
Ônibus de Lima para Huaraz: 65 soles.
Alguns preços(por dia de expedição):
– Guia: 120 dólares p/ o Huascarán e Alpamayo e 70,0 para o Pisco;
– Porteador: 25 dólares;
– Arriero: 10 dólares;
– Mulas: 5 dólares;
– Transporte para as montanhas: não tem um preço fixo, cada táxi tem um preço diferente, mas fica em torno de 90 dólares ida e volta do Alpamayo e 50 dólares ida e volta do Huascarán;
Equipos (aluguel) preços por dia:
– Botas plásticas: 3 dólares;
– Crampon: 3 dólares;
– Piolet: 3 dólares
Aleomar Gallasi. (28.06.09)