Patagônia Argentina, por Bernardo Collares

Chalten… Local de experiências verdadeiras e intensas. Longas… muito longas caminhadas de aproximação (normalmente dias), escaladas comprometidas onde a logística é peça fundamental. Tem que entrar e sair rápido, antes que o portal invisível se feche pois o clima muda muito e quando muda é melhor não estar na parede.

Os surfistas que gostam de ondas grandes e comprometidas vão para o Hawai… os escaladores vão para Chalten buscar suas grandes ondas…

Escaladores de todo mundo rumam para la na temporada (novembro a inicio de março) para viver e lutar pela sobrevivência, buscando sonhos… mas muitas vezes encontrando pesadelos, vivendo tudo intensamente…

Para nos brasileiros tudo é novidade, não temos nada parecido por aqui. Mas a cada ano somos mais brasileiros indo e vamos aprendendo… entendendo, afinal tem muito gelo, neve, glaciar…

Esse ano fomos Kika Bradford, Sblein Mantovani eu. Lá encontramos com outros brasileiros. Passaram por lá também para escalar Edu e Luana escaladores de Santa Catarina, além dos mineiros Lugoma, Racha Cuca e Monstrão.

Essa temporada o camping Madsen estava fechado e de graça tinha só o Confluência onde é permitido ficar somente 07 dias por temporada.

No Natal Kika e eu fomos até a base da via Fonrouge na face oeste da Agulha Guillaumet. O tempo não estava bom e quando (ainda na base) o vento levantou do chão com imensa facilidade minha mochila (que naquela hora meio vazia pesava pelo menos 05 quilos)… foi o sinal para não escalar.

Mas naquelas montanhas todas as tentativas são importantes, pois vc aprende… conhece… entende e interage com aquele mundo.

O Sblein chegou e no ano novo tinha um curta janela de umas 18 horas. Resolvemos tentar a mesma Agulha Guillaumet, mas desta vez pela via Brenner. E com os conhecimentos da tentativa do natal fomos mais leves (não levamos nem grampon nem piolet por exemplo) e mais rápido, pois conhecíamos melhor o caminho.

Era dia 01.01.2009, escalada mágica onde tudo correu bem… e as 15:00 horas chegamos os 03 (juntos) pela primeira vez num cume na Patagônia.

Voltamos para a cidade a espera de uma nova janela… que veio dia 11.01.2009.

Na cidade íamos conhecendo muitas e muitas pessoas. No bar Rincon del Sur conhecemos e ficamos amigos dos donos , Sebastian, a esposa Marcela e a mágica Florencia (filha deles com 02 anos). Família essa que nos ajudou muito, inclusive a Kika depois que fomos embora e ela ficou. Encontramos ainda a galera do CEB – Centro Excursionista Brasileiro, que estavam na expedição Patagônia 2009 para comemorar os 90 anos de fundação do clube.

Bom… regime de engorda e olhando ansiosos a previsão por uma janela. Dia 07 e 08 parecia que teríamos uma janela. Enquanto Kika e Sblein foram para o Glaciar Marconi, fui tentar a Agulha de la S em solitário pela face oeste.

Fui de Chalten ate Polacos (bivaque avançado no vale do Torre). Levei umas 08 horas para chegar lá.
Caminho misto com boa parte em glaciar… e que estava totalmente diferente do ano anterior quando havia passado por ali com a Mariana Candeia. Achei os caminhos…. mas a janela não abria…. cheguei com muito vento e neve na cara… bivaquei em polacos com a noite toda nevando… e de manha voltei pra Chalten.

Na cidade confirmamos a boa janela para os dias 11 e 12… rapidamente lançamos nossas atenções para a via Claro de Luna na face oeste da Agulha Saint Exupery. Escolhe-se a escalada de acordo com o tamanho e qualidade da janela… e essa perfeita para a Claro de Luna.

Os amigos mineiros Lugoma, Racha Cuca e Monstrão, haviam ido até o passo superior… e depois fizeram uma tentativa na Agulha Guillaumet.

Assim estávamos todos mais ou menos pronto pra ir… pois nao houve descanso. Sblein com o pé destruído no poderia ir (realmente uma pena). E fomos para o vale do torre. Saímos dia 09, dormimos no Acampamento De Agostine (02 horas da cidade), onde deixamos as barracas. Dia seguinte andamos umas 08 horas ate o bivaque perto da base. Os mineiros dormiram em Niponino, pois iam para a Agulha Media Luna. Entramos na Claro de Luna… outra escalada mágica… e era a via que fui a Chalten fazer, 800m metros de pura qualidade… totalmente em móvel. Dizem inclusive que é uma das 10 melhores vias do mundo (no estilo).

Kika e eu fomos pro cume , após conseguir ultrapassar um dupla argentina bem lenta, a qual acabou dormindo na parede. Fizemos cume as 19:30 com pinta de tempo virando… o que lá não é bom, pois descer com ventos fortes é a certeza de problemas… e problemas sérios. Felizmente agilizamos bem os rapeis e a 01:00 da manha estávamos de volta ao bivaque… o tempo não virou.

Voltamos pra cidade a espera de mais uma janela… que somente ocorreu dia 23.01.2009.

“Patagônia, enfim, não é o local ideal para fantasias. Lá, seus sonhos, assim como o seu maior pesadelo, são reais” (Neto Tavares)

As aproximações tem que ser feitas de noite ou nas primeiras horas do dia, pois lá é local de muitas avalanches de neve e pedra. Na parte da manhã e a noite tudo esta mais sólido…. mas a medida que o tempo vai esquentando as avalanches começam…. e a gente na parede escutando e buscamos onde esta ocorrendo… e sempre torcendo para nunca estarmos na reta… é o dia todo ouvindo isso… o jeito é relaxar e tomar alguns cuidados.

A janela não chegava… e o dia de voltar já estava próximo.

Todo nosso equipo estava em NipoNino e quando já estávamos programados ir somente para busca-los… ameaça uma janela de poucas horas para o dia 23… mas com chuva a tarde… ou seja… não dá pra escalar.

Dia 22 as 18:30… bebendo uma Stout (cerveja escura da Quilmes)… Kika conseguiu convencer Sblein e eu a fazermos uma tentativa da Agulha Media Luna.. num bate volta..(Chalten – Chalten)… coisa de louco… ainda mais com previsão de chuva para a tarde… mas fomos.

Saímos de Chalten as 02:00 da madruga e as 10:30 estávamos na base dessa linda agulha, que é portal do Cerro Torre. Às 15:00 horas no cume numa tarde de sol (que sorte) e as 05:30 na base de volta.

Caminhamos muito na volta… e agora com todo o peso, pois levamos todo equipo de volta pra Chalten… e a 01:00 da manhã estávamos de volta a cidade. Foram 23 horas de atividade sem dormir, sendo 16 de caminhada e 07 de escalada. Pro Sblein e pra mim era fim de uma deliciosa temporada…tivemos que ir embora. A Kika ficou mais algum tempo la…. e ainda fez o cume do Mocho em cia do Edu RC (que chegou quando estávamos pra ir embora).

Além dos muitos aprendizados de montanha e de vida… nossos laços de amizades tornaram-se ainda mais sólidos. Valeu Kika… valeu Sblein… ano que vem estamos lá de novo. “Que minha mente silencie e meus pensamentos descansem, quero ser tudo o que há antes de mim. Esquecendo-se de mim mesmo, eu me torno o todo.” (03.06.09)

Bernardo Collares Arantes