Luto na Montanha – Roberta Nunes

Ainda é difícil acreditar que tenha acontecido, mas ontem Roberta Nunes, uma das melhores escaladoras do Brasil, morreu num acidente de carro nos Estados Unidos. Não há como descrever semelhante perda.

Robertinha, como era carinhosamente chamada por seus amigos, tinha 34 anos e escalava desde 1993. Nesses oito anos escalou pelo mundo todo: Argentina, Chile, EUA, França, Espanha, Groelândia…

Nos últimos tempos vivia do montanhismo, dedicada como sempre, procurando novos desafios. Escalava livre, alpina, big walls, esportivas… de tudo um pouco, e se destacava como ninguém. Era considerada como “top” na escalada feminina, elevando o nível da escalada no Brasil.

Robertinha esteve já nos principais pontos de escaladas do Brasil, onde mostrou toda sua garra em aperfeiçoar-se cada vez mais, nivelando-se a muitos escaladores homens, em técnica e dificuldade.

Percorreu em 1998 os principais pontos de escalada na Argentina e Chile num período de dois meses: Los Gigantes, La Ola, Arenales, Los Mogotes, Cerro Catedral, Cerro Bonete.

Em 1999 esteve na Patagônia Argentina, Chaltén, onde realizou uma tentativa na agulha Mermoz (2.754m) por nova rota na cara leste, junto a Ale Gracia, Sebastian Bortolin e Andres Zeggers. Fez cordada feminina na agulha Guillaumet (2.593m) pela rota Colouir Amy, face leste, uma canaleta em gelo, ficando a poucos metros do cume principal, junto a suíça Barbara Regli.

Em seu projeto “Patagônia 2000”, escalou a agulha Inominata (2.500m), pela rota anglo-americana, com graduação V+, 6c, A1, junto ao argentino Fefi. Fez a primeira ascensão feminina brasileira da agulha Media Luna (1.923m) pela rota de Salvaterra, junto a Sebastian Bortolin com graduação V+, 6c+, A2+. Subiu o Cerro Solo (2.223m) pela rota normal, finalizando com a tentativa da inóspita montanha San Lorenzo (3.720) pela rota Agostini, por terreno gelado, ficando a apenas duas horas do cume.

Em abril de 2001, realizou a repetição de uma difícil big wall na Serra dos Orgãos (Rio de Janeiro): o Garrafão, pela rota Crazy Muzungus (VI, A2+, em 700m negativos) junto a Marius Bagnati, envolvendo três dias de empreitada. Em agosto do mesmo ano retornou aos Estados Unidos e num período de dois meses no Yosemite National Park, Califórnia, repetiu inúmeras rotas em diferentes picos, destacando-se El Captain, Sentinel Rock, Royal Arches, Rostrum, North Dome, Catedral Peak, Leanning Tower, entre outras, atingindo uma dificuldade máxima de 5.12a na graduação americana.

Roberta foi a primeira mulher atravessar uma hight line (corda-bamba) de 10 metros de comprimento a 300 m do chão no pico Rostrum.

A slack line é uma atividade conhecida e praticada mundialmente. Consiste em caminhar sob fitas de nylon tensionadas, serve para o aprimoramento do equilíbrio e concentração.

Em 2002 esteve novamente na Patagônia Argentina, para escalar o Fitz Roy ( 3.341 metros ) sendo a primeira mulher brasileira a tentar esta escalada. Junto ao escalador venezuelano, José Pereyra, repetiu a rota Afanassief na cara nordeste, sendo a primeira tentativa de repetição em vinte anos, com dificuldade V+, 7b, A2+, e 1.300 metros de desnível vertical. Atingiram o topo da torre Nordeste ficando a 300 metros do cume, completando 1.350 metros de escalada em trinta horas sem parada (ida e volta) até ao campo base. Repetiu cinco dias depois na mesma montanha, Fitz Roy, a clássica rota Franco Argentina (VI, 7b, A2+), onde teve a oportunidade de abrir uma variante de 500 metros por rocha e pouco gelo, seguindo depois os 700 metros de rota tradicional. Ficaram apenas a vinte minutos de caminhada do cume principal devido a uma grande tempestade de neve.

Repetiu também a agulha Saint Exupery (2.548 metros) pela difícil rota Chiaro Di Luna (V+, 7c) com 850 metros de verticalidade num tempo de apenas nove horas. Ainda em 2002 viajou por diversas escolas de escalada esportiva na França e Espanha como: Ceuse, Orpierre, Riglos, Siurana, Rodellar, Monsant, entre outras…

Em janeiro de 2003, venceu os 6.962 metros do Aconcágua pela rota normal e os 5.500m do Vallecitos, na Argentina. Depois ao retornar ao Brasil aceitou o convite da aragonesa Cecília Buil, para abrir o big wall “Hidrofilia”, VI, 1620m, 7A, A2+. O projeto de abrir uma nova via de escalada no maior acantilado do mundo, o Thumbnail, na Groenlândia, exigiu quarenta dias de treinamento em escalada e caiaque na região dos Pirineus, pois a aproximação (80 km) para a parede é feita por kaiaques oceânicos. Ao todo foram três meses para execução total do projeto, sendo a primeira ascensão humana deste cume e a maior rota aberta por mulheres na história do alpinismo mundial. Documentado em vídeo esta aventura foi apresentada nos principais festivais de cinema de montanha internacional, Banff, Trento, etc…

Participou em 2004 da primeira cordada feminina na região de Cochamó, no Chile.

Robertinha vai deixar saudades e um grande vazio, que demorará para se preenchido novamente, na escalada feminina.

Texto: Cintia Adriane. Fotos: Arquivo Pessoal de Roberta Nunes. (19.07.06)