Doping na Montanha

Desde 1º de janeiro usar oxigênio engarrafado como melhora esportiva para subir um pico de oito mil metros está “proibido” e portanto a ascensão se deve considerar inválida.

Entrou em vigor a lista de proibições 2007 da Associação Mundial Anti-dopagem (World Anti-doping Agency), tal como estava previsto no artigo 4º do Código Mundial Anti-dopagem.

Este código, aprovado em 2003, foi assinado por um grande número de países e Federações, além da União Internacional das Associações de Alpinismo (UIAA). A lista de proibições 2007 afeta diretamente o alpinismo porque inclui entre seus métodos proibidos “a melhora artificial da capacitação, transporte ou transferência de oxigênio”. Proíbe também, entre outros, o uso de produtos de hemoglobina modificada, baseados em substitutos da hemoglobina ou em hemoglobina micro-encapsulada.

Segundo um estudo, a norma vigente obrigaria aos Estados que assinaram o convênio contra o doping a aplicar ao dopado as leis vigentes. E vai além ao considerar que inclusive um guia incorrerá em responsabilidade, por haver consentido a seus clientes que usem um método desportivamente proibido, caso este sofra algum dano motivado precisamente pelo uso do oxigênio.

É claro que foi criada uma grande polêmica no meio alpinístico, com discussões acaloradas entre defensores e opositores do uso do oxigênio em garrafa. O certo é que a história não deve ser modificada, mas o futuro sim. Não se deve desconsiderar Hillary como o primeiro a escalar o Everest por fazê-lo com oxigênio.

O referido estudo assinala que existe uma porta aberta ao considerar que esta medida afeta aos alpinistas que buscam o reconhecimento das autoridades desportivas ou governamentais competentes, enquanto que para os escaladores a quem se

define amadores, o uso do oxigênio não está proibido. Assim muitas pessoas teriam oportunidade de desfrutar de cumes que de outra maneira lhes seriam inalcançáveis. Mas seria uma ascensão de cunho meramente pessoal, um governo ou uma federação não poderiam validar tal escalada.

Quem defende a proibição do oxigênio alega que a partir de agora haverá uma redução dos problemas que afligem as montanhas mais populares, como o circo das expedições comerciais no Everest, por exemplo, e o lixo. Além disso proclamam que a utilização do oxigênio artificial faz a montanha menor e que o terceiro pólo, o Everest, não o merece.

O mais importante é que são fixados alguns critérios que ajudarão a limpeza da prática esportiva e da ética do montanhismo. A China é um dos países signatários do Código Anti-doping. Índia, Nepal e Paquistão receberam cada um o citado documento. Só com o tempo será possível comprovar a capacidade preventiva ou punitiva desta proibição. No momento, mais que arranhar as ascensões conseguidas com O2 durante os últimos anos, devemos exaltar as que foram feitas sem ele. São mais fáceis de contar.

Não se pode dizer que a ascensão de Hillary foi doping, simplesmente porque, não havia como há agora uma norma clara e específica. Mas é certo que desde 1978, quando Reinhold Messner e Peter Habeler chegaram ao cume do Everest sem oxigênio, mesmo sem norma já se sabia que a ética havia mudado.

A realidade é que o alpinismo é uma atividade sem juízes, sem competição, diferente de outros esportes. Haverá mentiras e mentirosos. Haverá trapaça como em toda lei. Mas agora sim, a moral tem um valioso aliado em papel e letra, em forma de código e lei.

A revista espanhola Desnível (www.desnivel.com) conclama a uma reflexão sobre o assunto: “Não parece triste que tenhamos que chegar a este ponto? Que sejam as organizações que tenham que definir e defender uma pureza que todos nós reconhecíamos? Ser alpinista é escalar montanhas ou fazê-lo com respeito e honradez?” (13.05.07)