Relato da conquista no Fitz Roy: Samba do Leão

Ainda na Patagônia o escalador Flavio Daflon nos escreveu um relato com detalhes da conquista da nova via no Fitz Roy em Chaltén, Patagônia argentina. Flavio Daflon (Brasil), Luciano Fiorenza (Argentina) e Sérgio Tartari (Brasil) foram os conquistadores desta nova via, graduada em 6º VIIa, com 1400 metros e que foi batizada como Samba do Leão. Veja abaixo o texto e a galeria de fotos da conquista em breve aqui.

“A escalada foi show! Saímos de Chalten dia 22 a tarde com uma previsão do tempo que não era um espetáculo, mas que se não piorasse talvez desse para concluir a via. Começamos com o tempo não muito bom para ir se aproximando e acompanhando a melhora prevista. Nesse dia caminhamos quase 4h e bivacamos no lugar chamado Piedras Negras.

O dia 23 amanheceu bonito e com pouco vento e continuamos aproximando, começando a caminhar pelas 6 da manhã. Logo colocamos crampons para entrar no glaciar e cruzamos um trecho por onde desceu uma avalanche enorme na semana anterior.

A última parte pra chegar a base da via é uma boa subida e bem em pé. Nos deu a primeira cansada. Estava frio e na sombra, a água da garrafa congelava. Descansamos para encarar os últimos 200 metros e poder finalmente tocar na parede. Nesse trecho subimos duas longas enfiadas, uma de rocha e outra de neve, encordados, já com segurança.

Sergio Tartari no primeiro muro.

Agora sim estávamos na base, mas demoramos mais que imaginávamos e já era meio-dia. O primeiro muro como chamamos, terminava num imenso platô, conhecido como Grand Hotel. Este muro de perto parece pequeno, tipo um Babilônia, mas foram 9 enfiadas, uns 400 metros.

Flavio Daflon no segundo muro.

Seguíamos por um sistema de fendas e na metade da parede precisaríamos mudar para outro, mas essa transição era uma incógnita. No final acabou sendo relativamente fácil, sendo necessário bater apenas uma chapeleta. Aliás, foi a única proteção fixa em toda a via. No restante tudo em móvel, do jeito que deve ser com fissuras, fairplay, inclusive todas as cerca de 30 paradas, que fazíamos questão de serem totalmente seguras. Nesse dia só Serginho e Luciano conquistaram.

O Grand Hotel abaixo.

Dormiríamos no Grand Hotel, que apesar de grande, só tinha um pequeno espaço plano. Chegamos quebrados pela caminhada e escalada, 16 horas depois que começamos a caminhar naquela manhã. Este seria o tempo médio de atividade por jornada. Teríamos que matar um leão por dia! Esta madrugada, segundo a previsão, seria de -10 graus.

Como nunca podemos levar tudo que queremos, já esperávamos acordar no meio da madrugada com o frio. A noite e de manhã derretíamos neve pra fazer água e bebíamos ao máximo, forçando a hidratação, chá e mate. Nos Paines lembro das caimbras que tive por estar pouco hidratado. Comíamos também bem. Polenta, queijo, salame, biscoitos, manteiga, pão. Na parede, frutas secas, gel, barrinhas, alfajor.

Flavio e Sergio no segundo bivaque na parede.
Flavio e Sergio no segundo bivaque na parede.

Agora, dia 24, era encarar o segundo muro, que se via mais vertical e imponente. Foram 10 enfiadas. Eu e Serginho dividimos a conquista. Peguei algumas das melhores enfiadas da via. Fendas perfeitas e contínuas. Uma delas uma enfiada de entalamento de mão! E também a primeira fenda de meio corpo, os famosos off width. Essa deu trabalho, subia cinco centímetros e descia dois escorregando! O topo do segundo muro é uma crista e não imaginávamos encontrar um lugar tão fantástico pra bivacar, uma pedra plana na borda do paredão.

No terceiro dia, 25, madrugamos de novo e havia a opção de seguir para o cume pela Afanassief, uma via clássica da montanha, ou continuar conquistando um terceiro muro à direita. O tempo continuava bom então fomos pra conquista do novo muro. O Luciano encabeçou. Esta parte alterna paredes curtas com grandes platôs. Foram mais umas 10 enfiadas esse dia.

Luciano Fiorenza no terceiro muro.
Uma das muitas jumareadas…

Agora, dia 24, era encarar o segundo muro, que se via mais vertical e imponente. Foram 10 enfiadas. Eu e Serginho dividimos a conquista. Peguei algumas das melhores enfiadas da via. Fendas perfeitas e contínuas. Uma delas uma enfiada de entalamento de mão! E também a primeira fenda de meio corpo, os famosos off width. Essa deu trabalho, subia cinco centímetros e descia dois escorregando! O topo do segundo muro é uma crista e não imaginávamos encontrar um lugar tão fantástico pra bivacar, uma pedra plana na borda do paredão.

No terceiro dia, 25, madrugamos de novo e havia a opção de seguir para o cume pela Afanassief, uma via clássica da montanha, ou continuar conquistando um terceiro muro à direita. O tempo continuava bom então fomos pra conquista do novo muro. O Luciano encabeçou. Esta parte alterna paredes curtas com grandes platôs. Foram mais umas 10 enfiadas esse dia.

Chegamos na crista do cume bem próximo ao cume, a via terminava bem alta. E ai foi só caminhar e… festa. Me lembrei de uma matéria e uma foto do Reinhard Karl no cume do Fitz na National Geographic que me impressionou. Estava começando a escalar e agora eu estava ali!

Flavio e Sergio no cume.

Em pouco tempo já começamos a descer. Subimos pelo lado norte e desceríamos pelo leste, via Franco-Argentina, um pouco mais curto e mais protegido do vento que estava previsto para chegar. Depois de umas cinco horas de descida paramos pra bivacar antes da última sequência de rapéis, já havia escurecido. Antes de pararmos, ainda no rapel, escutamos uma grande avalanche à direita de onde estávamos. Não deu pra ver, mas o barulho foi grande. Não foi por nenhum local de via.

Faltava agora os rapéis da Brecha, um trecho conhecido pela queda de grandes blocos de pedra quando a temperatura está quente, e local de alguns acidentes. Num deles, faz alguns anos, uma cordada argentina de três descia por ali e num dos rapéis, dois dos escaladores já se encontravam na parada, mas antes de o terceiro clipar sua solteira, viu os amigos despencarem com a parada e tudo. O bloco inteiro aonde estava a parada desceu com eles! Sorte que já estavam relativamente próximos das rampas de neve. Se quebraram, ficaram inconscientes e foram evacuados em helicóptero. Mas estão vivos e inteiros.

Flavio Daflon no cume.
Sergio nos rapeis.

A descida foi tensa, começamos um pouco mais tarde do que gostaríamos e já fazia calor onde estávamos. A neve no fundo da brecha que ajuda a segurar as pedras soltas e blocos já não havia, devido aos dias de calor no início de janeiro. Estava tudo muito solto, descíamos com o máximo de cuidado para não encostar em nada, mesmo assim Luciano apenas tocou num bloco do tamanho de um aparelho de som e vimos ele descer na direção do Serginho que estava abaixo. Ainda bem que bateu em alguns platôs, perdeu velocidade e se quebrou. Serginho pulou de um lado pro outro e só uma lasca acertou sua canela. Mas foi um susto, tudo pareceu em câmara lenta. No penúltimo rapel, esquentando mais, caíam uns pedacinhos de gelo e algumas pedrinhas do alto, vindo do nada. E a gente torcendo pra que isso não significasse que algo maior estava por vir. Sei que agilizamos nesses seis ou sete rapéis e saimos da brecha ao glaciar. Foram momentos tensos, mas agora dava pra respirar.

Ainda levaríamos mais de 6 horas de caminhada entre glaciares e trilhas para voltar a cidade, incluindo uma parada no rio para comer a última refeição: polenta, queijo e salame!”

E outras matérias que sairam em sites especializados:
Cordillera de Los Andes
PataClimb.com
ESPN 
Alpinist 
Desnivel