Ilha da Cotunduba
Às 07:30h da manhã, quando tocou o celular, eu não acreditei… Quem poderia estar ligando àquela hora, justamente neste sábado, ao qual me reservei o direito de dormir o merecido, isto é, muito? Entretanto era um chamado… Preste atenção no que eu disse, um “chamado”! Passar o dia escalando numa ilha, proposta tentadora, que o sono a princípio me fez relutar. Somente despertei decidido, depois que percebi que atender ao telefone a cada 10min seria pior.
Primeiro o Nado, depois o Daflon e em seguida o Bernardo; pensei comigo mesmo, é complô. Daí fui! Juntei-me a eles e ao Zé, dono da lancha, no iate clube às 9h. Últimos detalhes resolvidos e às 10h estávamos partindo em direção à Cotunduba. Diante de todo o visual impressionante visto desde a Baía de Guanabara em direção ao Pão de Açúcar, meu sacrifício em sair da cama, já estava válido. Se dali nosso capitão Zezinho resolvesse dar meia volta, já me dava por satisfeito. Ora, todo aquele visual que por quase uma década admiro incessantemente; agora observado por um ângulo até então inédito pra mim. Irado, radiante… Assim como o sol que logo logo viria a nos fritar!
Chegamos à ilha com um vento bem forte, que encrespava o mar, mas fizemos uma aproximação e um acesso tranqüilo. Algumas idas e voltas com equipamentos e outros utensílios, intercalados por ridículos pulos no mar, que nos faziam agradecer a Deus por não viver do salto ornamental; e já estávamos todos bem animados com o pouco que víamos até então. A parte da ilha voltada para o mar aberto está repleta de blocos alucinantes! Boulders de todos os tipos, com abaulados, regletes, fendas, tetos… Além de highballs, paredes que mais pareciam mosaicos e outras formações rochosas esculpidas com perfeição! Passado o momento do reconhecimento geral, fomos ao que interessa, já que ali há muito o que escalar. Logo que começamos escutamos assobios e sonidos de apitos… Que assim como meu telefone pela manhã, tinha a intenção de despertar. O que dessa vez, ao menos a princípio, não ocorreu! Passado pouquíssimo tempo, o Nado entrou num boulder de lances incríveis, saindo do chão nuns abaolados grandes, com um domínio bem negativo de uma barriguinha direto numa fissura frontal de entalamento de punhos.
Alucinante! Todavia, de alucinar mesmo foi a visão que teve o Nado do topo do bloco. Nem ele terminara o movimento de esticar o braço e apontar em direção ao mar, e todos já olhavam. Agora, claramente, e pela segunda vez no dia, eu escutei um chamado. Socorro!!!
Pronto, aí estava uma verdadeira escalada de aventura! A diferença é que a aventura foi o salvamento de quatro pessoas! Enquanto o Zé voou para sua lancha, afim de socorrer pelo mar; nós pegamos as bóias e coletes salva-vidas e corremos até o ponto da ilha próximo aos náufragos, se assim pode-se dizer, e sua lancha emborcada. De perto podemos perceber que três eram mulheres, todas com a resistência em frangalhos, e todos de meia-idade, se assim também me permite a expressão. Inclusive uma das senhoras mantinha o braço erguido, segurando um rádio de comunicação; pois naquela hora cada qual agarravasse no que lhe convinha, o que me fez lembrar o que diz um amigo. “Na m…. até jacaré é tronco!” Creio que foi nesse sentido que o coroa não desgarrava da borda da lancha emborcada. Logo que nos aproximamos, tanto nós na ilha, quanto o Zé no mar; veio a sensação de que o pior já havia passado. Todavia foi nesse momento em que as cenas mais horripilantes se passaram. Enquanto uma das senhoras resolveu subir na lancha do Zé justamente pela hélice do motor, outra estava sendo esmagada entre uma e outra lancha. Sinistro!!! Aos poucos a situação foi sendo controlada, e mesmo com as senhoras definitivamente esgotadas foi possível colocá-las todas com vida na lancha.
Pois é, mas enquanto as senhoras lutavam pela vida, o nada esgotado coroa não desgarrava de “sua lanchinha”. Teimoso queria de qualquer forma desvirar a lancha sozinho. Com tudo aparentemente sob controle pulamos na água afim de ajudá-lo, mas mesmo conseguindo virá-la, logo ela voltou a emborcar. Pouco cansado o insistente coroa nadou até a lancha do Zé afim de convencê-lo a arriscar sua própria lancha próxima às pedras, para poder rebocar a carcaça da lancha. Sem êxito junto ao Zé, que já havia comunicado à capitania e solicitado o reboque, o coroa cheio de disposição pulou no mar novamente e foi atrás da lancha, queria salvar o motor que segundo ele custava 10.000 reais. Mas a essa hora a lancha espatifávasse junto às pedras na costa da ilha, tudo sob nossos olhares. Mais aventura e cenas chocantes foram o resultado deste novo intento. O coroa agarrava-se à borda da lancha enquanto essa era sacudida pelas ondas. Em determinado momento uma onda jogou a lancha bem alto nas pedras e depois o repuxo voltou com tudo trazendo a lanchinha destruída e o desnorteado do coroa que desceu de peito, literalmente, um costão repleto de ouriços e pedras pontudas. Sinistro de novo!!!
Foi aí que resolvemos nos meter novamente, alertando-o para que saísse dali, que ele iria se matar pela lancha, onde na verdade o mais importante, que eram as vidas, já haviam sido salvas! Abatido o coroa abandonou a idéia e juntou-se a nós na ilha. Prontamente nos pediu desculpas, já que até há pouco dizia bravamente que a única coisa que não poderíamos ter deixado acontecer era a lancha entrar em contato com as pedras. O que na hora deu raiva, logo virou pena! Desculpas aceitas, o mais impressionante ainda estava por vir. O que ocorreu? O que faziam eles ali? Pois é. Naquele dia ensolarado, Ary, como viemos a saber, estava juntamente com as três senhoras indo jogar próximo à ilha, as cinzas do falecido Armandinho, (que Deus o tenha!) o verdadeiro dono da lancha! Cacete… Por essa ninguém esperava… Não é que o Armandinho armou pra cima dos amigos. Disse Ary, que subitamente o motor apagou, o vento jogava a lancha em direção as pedras, a âncora não pegou fundo e o mar sacudiu e virou a lancha. Isso sim foi sinistro!!!
Depois de todo o episódio voltamos a escalar. Daí em diante foram sendo abertos os bouders mais sugestivos: O Sobrenatural; Shacelandia (o nome da lancha), Vai que eu fico; Estória fadada, entre outros. A ilha apresenta também algumas opções de escaladas curtas com proteções móveis bem interessantes. Pra quem não conhece, a Ilha de Cotunduba, é aquela ilha que fica bem ali de frente pra pista Cláudio Coutinho, na Urca. Pra quem tem disposição, uma boa opção é ir de caiaque desde a praia vermelha, mas fica esperto; com mar e escalada não se pode dar mole, imagine então com coisas que surgem do além! Brincadeirinha!
Nesse caso, assim como em clássicas histórias do meio da escalada, a própria, a escalada, ficou em segundo plano. Mas aí há uma moral da história pra escalador preguiçoso como eu: quando algum parceiro ligar para escalar, nem que seja de madrugada, não relute. Essa ligação pode ser um Chamado!
Texto: Silvio Neto. Fotos: Bernardo Oliveira, Bernardo Cruz e Flavio Daflon. (28.12.05)