Paredões Brasileiros
Existe uma grande confusão em relação à denominação das modalidades de escalada no Brasil e isso já foi tema de algumas discussões acaloradas e infrutíferas. Resolveu-se então, fazer um tipo de “seminário”, inclusive aberto na internet, para que as pessoas pudessem dar as suas contribuições. Participaram os escaladores: André Ilha, Antonio Paulo Faria, Eliseu Frechou, Flavio Daflon, Flávio Wanievski, Fernando Vieira, Luciano “Lupa”, Marcelo Braga, Mônica Pranzl, Paulo Miranda, Ralf Cortês, Sérgio Poyares e Sérgio Tartari. O resultado final originou as definições que serão mostradas adiante.
Até a década de 80, no Brasil as escaladas tinham classificações simples que se espelhavam no estilo da via. Existiam quatro denominações: chaminé, diedro ou oposição, fissura e paredão. Ainda existiam os tetos, que eram todos em artificial, ou de grampos ou mistos com pitons. Por exemplo, quase todas as escaladas tinham os nomes precedidos de uma dessas palavras, como: Paredão Roda Viva, Oposição Ecologia, Fissura Guilherme, Diedro Pégaso, Chaminé Stop e Teto Menescal. Porém, a escalada evoluiu, esses prenomes quase não são mais usados e essas denominações foram revistas. Dessa forma, a seguir é mostrado o resultado da tentativa de definir melhor o que é a escalada brasileira, de acordo com as pessoas que participaram nas discussões.
1 – VIAS TRADICIONAIS
2 – VIAS EM GRANDES PAREDES
3 – VIAS ESPORTIVAS
3.1 – Técnica
3.2 – Atlética
4 – VIAS COM PROTEÇÃO MÓVEL (“Vias Móveis”)
4.1 – Fendas
4.2 – Esportivas
Um Breve Histórico do Desenvolvimento da Escalada no Brasil
A partir da década de 60, depois das maiores e melhores chaminés terem sido conquistadas, os escaladores brasileiros concentraram esforços no desenvolvimento de técnicas e material para escalar os “paredões”. Basta lembrar dos calçados (China-Pau, Conga e Kichute) e dos grampos genuinamente brasileiros. É bom lembrar, de acordo com o Giuseppe Pellegrine (escalador de renome e muito ativo nas décadas de 50, 60 e 70), que antes os montanhistas só se interessavam em chegar ao cume e todas as escaladas antigas, até a década de 50, se situavam em montanhas e morros que tinham cumes significativos. Pode ser verificado que as escaladas mais antigas no Rio de Janeiro se situavam, por exemplo, no Pão de Açúcar, no Corcovado, na Agulinha da Gávea, nos Dois Irmãos do Leblon, nos Dois Irmãos de Jacarepaguá e na Pedra da Gávea, além, é claro, da Agulha do Diabo e Dedo de Deus. Eram despreza! das as paredes que não tinham topos proeminentes, como exemplo, o Morro da Babilônia.
Depois foram abertas as primeiras vias nessas paredes, mas havia um certo preconceito porque se escalava mas não se chegava a “lugar nenhum” porque os escaladores desciam tão logo a escalada na rocha terminava, como acontecia e continua acontecendo no Morro da Babilônia. Essa modalidade de escalada, segundo o Pellegrini, era chamada de “rochedismo”. Podemos dizer, dessa forma, que o rochedismo, estilo de escalada predominantemente em parede com agarras, foi a raiz para a evolução das escaladas típicas mais populares que temos hoje no país: as chamadas paredes (nos EUA é conhecida como face climb). Do “rochedismo” foram sendo criadas ramificações conhecidas no passado como “paredão” (vias tradicionais) e “falésia” (vias esportivas técnicas e atléticas).
Tem sempre alguém fazendo alguma coisa fora dos padrões normais de escalada, por exemplo, já na década de 60 o Rodolfo Chermont abria vias perigosas no padrão E4, talvez até E5. Um exemplo foi o Roda Viva (4° VI) conquistada com grampos de ¼ e cuja distâncias entre eles eram exageradas, o que fugia completamente do que podemos chamar de via tradicional para a época e para os dias de hoje.
Atualmente acontece a mesma coisa, são abertas vias que não se enquadram perfeitamente dentro dos padrões que serão descritos, mas nem por isso é preciso criar uma modalidade nova, porque se ! fosse dessa forma, teríamos uma infinidade complexa de padrões diferentes de escaladas. Daí veio a necessidade de padronizar as modalidades de escaladas brasileiras, mas pode acontecer de algumas vias se encaixarem em dois padrões ou serem uma mistura de padrões. O importante é que a classificação proposta aqui seja flexível, porque as pessoas podem ter opiniões divergentes.
VIAS TRADICIONAIS
São vias grampeadas normalmente nos padrões E1, E2 e E3 (grau de exposição): em chaminés, paredes com agarras e paredes de aderência. A primeira modalidade de escalada feita no Brasil foi a chaminé, com a conquista do Dedo de Deus em 1912. A partir daí várias outras escaladas foram conquistadas para se chegar ao cume de algumas montanhas como: Agulha do Diabo, Pico Maior de Friburgo, Pão de Açúcar, Corcovado, etc. Sendo assim, as chaminés são verdadeiramente a escalada tradicional no Brasil, onde eram colocados grampos, pitons e cunhas de madeira com distâncias entre eles de 10 a 20 metros. Até a década de 60, várias dezenas de montanhas no Rio de Janeiro, no Espírito Santo e no Paraná foram conquistadas em vias de chaminé. Mas hoje, muit! as chaminés vêm sendo conquistadas com a utilização de material móvel, quando isso é possível.
Porém, as vias tradicionais brasileiras mais conhecidas se situam em paredes com agarras, que se tornaram comuns a partir da década de 70, mas algumas foram conquistadas nos anos 40. São exemplos vias como: Secundo (5° VIIa), Quarto Centenário (4°), CERJ! do Capacete (5° VI), Trinta de Julho (5° VI), C100 (5° VI), Paraíso P! erdido (3° V), etc.
Na década de 80, a chegada das botas com solado de goma cozida (as botas e sapatilhas atuais) facilitaram na abertura de muitas vias no estilo puramente de aderência, ou predominantemente de aderência, aumentando o leque de vias tradicionais no Brasil, como exemplo as vias: Arrasta Pé (6° VI+), Jardins Suspensos da Babilônia (7a VIIc), Solitude (5° VI), etc.
Existem ainda as vias grampeadas com vários esticões de corda, mas que podem ter a proteção melhorada com a colocação de algumas poucas peças de material móvel. Algumas pessoas preferem chamá-las de tradidional mista. Existem numerosos exemplos no Rio de Janeiro, no Paraná, em São Paulo, em Minas Gerais, etc. Os exemplos mais famosos podem ser as vias do Pão de Açúcar: Lagartão (6° VIIc), Contra Secundo ou Valdo (6° VIIc) e o Cavalo Louco (5° VI+).
Existem ainda as vias tradicionais artificiais, que foram moda no Brasil durante algum tempo. Hoje ainda existem algumas que foram mantidas devido a importância que tiveram ao longo de várias décadas. Muitas vias atuais eram, originalmente, enormes artificiais fixos, como a Via dos Italianos (5° V) no Pão de Açúcar, a Secundo (5° VIIa), nessa mesma montanha, etc. As vias artificiais podem ser do tipo “escada de grampos”, como exemplos: Ibis no Pão de Açúcar, Teto Domingos Guiobi na Pedra do Baú, etc. e as “vias ferratas”, que podem ser equipadas com cabos de aço ou degraus de ferro. Exemplos: a CEPI no Pão de Açúcar e a longa escada na face norte da Pedra do Baú.
VIAS DE GRANDE PAREDE
O que é uma grande parede para o padrão brasileiro? Quais são as referências que podemos levar em consideração: o tempo de escalada, a extensão, ou os dois juntos? Muitos escaladores consideram grandes paredes as que são maiores que o Pão de Açúcar, ou seja, acima de dez esticões de corda (± 500 metros). Porém, isso não pode ser uma regra rígida porque existem vias de apenas 8 esticões que são muito difíceis e complexas, por isso, acabam virando um “big wall” porque obrigam os escaladores a dormir na parede. Por outro lado, existem vias de 15 esticões de corda que são tecnicamente muito fáceis e a maio! ria dos escaladores sobe e desce em poucas horas. Por este motivo, não são consideradas vias de grande parede. Dessa forma, o termo “grande parede” é relativo. A melhor definição pode ser vias que tenham duração mínima D4, ou seja, vias que em média precisam de um dia inteiro para serem feitas, mas nesse caso, a caminhada não pode ser levada em consideração. Dessa forma, as grandes paredes ficam necessariamente entre D4 e D6 (a classificação “D” indica o tempo médio necessário para que a escalada seja realizada).
Nas vias genuinamente de grande parede no Brasil, é normal existir uma mistura de estilos como: agarras, aderência, chaminés e fendas. As proteções geralmente são mistas (grampos e material móvel). Esta modalidade é a mais comum em grandes paredes e teve uma grande evolução nos anos 80, com a chegada de materiais móveis modernos como: friend, tricam, etc. Algumas dessas vias podem ter pequenos trechos com artificiais (fixos, de buraco, ou móvel). Entre as primeiras vias abertas no Rio de Janeiro nessa categoria estão: Arco da Velha (6° VIIa), The Wall (7° VIIa), entre outras. Existem também as vias em grandes paredes que possuem proteções fixas, como exemplo: a Leste do Pico Maior de Friburgo (5° VI) e Infinita Highway (6° 7b), entre outras.
Nas grandes paredes também existem vias com proteção predominantemente com material móvel. Porém, no Brasil são raras as formações de fendas (fissuras e diedros) que cobrem longas extensões nessas paredes. As paradas e alguns lances podem ser protegidos com grampos e pode até ter pequenos trechos em artificial. Algumas dessas vias podem ser feitas ou totalmente em “livre” ou com pequenos trechos em artificial móvel. Alguns exemplos são: Sinfonia do Delírio e Grito das Andorinhas.
As Vias de Grande Parede em artificial – que no Yosemite são conhecidas como “big wall” – são normalmente muito longas e com progressão predominantemente em artificiais complexos. Por causa da extensão e da complexidade, é necessário passar pelo menos dois dias na escalada. No Brasil, essas vias geralmente são maiores que 8 esticões de corda. Existem vários exemplos no Rio de Janeiro, no Paraná e em Minas Gerais, entre eles: Tragados Pelo Tempo, Terra de Gigantes, Crazy Muzungus, etc.
VIAS ESPORTIVAS
As vias esportivas podem ser definidas como tendo proteções fixas no padrão E1, no máximo E2, onde o escalador precisa se concentrar apenas em escalar, e não se preocupar com as proteções. Essa modalidade, ao contrário que muitos pensam, não precisa ser necessariamente de vias curtas e difíceis, muitas vias de vários esticões de corda podem ser consideradas como esportivas. Elas são divididas em técnicas e atléticas.
Via Esportiva Técnica – São vias em parede ou em grandes blocos de rocha, com agarras ou aderência. Este estilo teve grande desenvolvimentoe na década de 80, tendo como raiz os artificiais fixos que foram sendo lentamente eliminados e outras vias foram abertas especialmente para atender à esta modalidade, como aconteceu na Pedra do Urubú: Urubú Capenga (7b), Urubú Rei (7b) e Urubú Mestre (8c). O mesmo ocorreu nos Ácidos, com a abertura da DNA (7a) e da Ácido Úrico (7c). Com o tempo, essas vias foram aumentando de tamanho e muita gente considera também, como esportivas, vias mais longas com alguns esticões de corda, como: Lagarto Lambão (6° VIIb) e Caipirinha (6° VI+), situadas no Pico da Tijuca; Às de Espadas (6° VI+) e Alfredo Maciel (6° VIIc) no Pão de Açúcar, entre outras. Também existem as vias esportivas de aderência, como as que existem em Petrópolis e na Serra do Cipó (MG), como exemplo as vias: Liseba (7a) e Tobogã (7c). Atualmente existem vias esportivas técnicas com vários esticões de corda em vários pontos do país.
Via Atlética – É conhecida popularmente como “falésia”, o que não é uma denominação muito apropriada. No Brasil essa modalidade foi uma evolução natural das vias esportivas técnicas, mas que teve uma grande influência da escalada européia, principalmente a francesa, na década de 80. São vias geralmente em pequenas paredes onde a declividade é normalmente negativa, exigindo força ou resistência ou força/resistência, grampeadas no padrão E1/E2. Podem ter qualquer extensão, de 10 metros a vários esticões de corda. São mais comuns vias esportivas atléticas curtas, simplesmente porque no Brasil é muito raro encontrarmos paredes negativas, com boas agarras e com mais de 50 metros de extensão. Se tivéssemos, com certeza teríamos muitas vias atléticas com vários esticões, como é o caso da via Salada Mista, em Petrópolis, que ! possui cinco esticões de corda, respectivamente com as seguintes graduações: 6+, 7c, 9c, 10a e 10b. Porém, as mais conhecidas são as vias curtas do Campo Escola 2000, na Barrinha e na Serra do Cipó, entre outras várias dezenas de lugares espalhados pelo país.
VIAS COM PROTEÇÃO MÓVEL (“Via Móvel”)
Resolveu-se dividir essa modalidade em duas: via móvel em fendas e via móvel esportiva:
Fendas – No Brasil essas vias são geralmente curtas, com poucos esticões de corda e em qualquer tipo de fenda (oposição, diedro e fissura) ou canaleta. Existe uma enorme variedade de fendas, algumas com boas condições de proteção e outras não tão óbvias. Já na década de 70, vias desse tipo já eram escaladas, mas foi no final da década de oitenta que se multiplicou consideravelmente o número delas abertas, por causa da maior disponibilidade de equipamentos de proteção, e assim foi desenvolvida áreas como a Serra do Cipó (MG), a Serra do Lenheiro (MG), Guaratiba (RJ), Caixa de Fósforo (RJ), etc.
Algumas vias em fendas tem progressão feita em artificial móvel (“friends”, “nuts” e pitons) com duração máxima de um dia (D4). Pode ter alguns trechos de artificial de “cliff”. Alguns escaladores preferem utilizar o termo Artificial Móvel Esportivo. A técnica é a mesma utilizada nos “Big Walls”, porém, não é necessário a utilização de grande infraestrutura porque não é preciso dormir na parede. Exemplos: Saint-Exupéry (5° A2) no Corcovado e no Pão de Açúcar as vias Teto Ricardo Menescal (A2 V+), Debaral (A3). No Maciço do Marumbi (PR) e na Pedra do! Baú (SP), além de outros lugares em outros estados, existem numerosos exemplos.
Via Móvel Esportiva – Alguns preferem chamar de “Esportiva Complexa’’. São vias situadas normalmente em pequenas paredes (“falésia”) ou em grandes blocos, protegidas com material móvel em lacas, buracos e fissuras irregulares, cuja forma de proteger pode não ser óbvia. Nas vias tecnicamente mais difíceis as peças móveis são colocadas previamente de corda de cima. O grau de complexidade aumenta com a dificuldade técnica e o grau de exposição. As primeiras vias que se encaixam nesta modalidade foram abertas ainda na primeira metade da década de 80, como exemplo, a Alta Tensão (6° E4) na Serra do Lenheiro (MG). Mas foi no final da década de 90 é que o estilo ganhou mais adeptos, principalmente no Rio de Janeiro e no Paraná. Esta modalidade vem sendo chamada erroneamente de “Hard Grit” por alguns escaladores que não conhecem adequadamente a filosofia do estilo. Quanto a isso, vários artigos já foram publicados na tentativa de uma melhor explicação para a modalidade, mas que antes era conhecida como “tradicional esportiva”.
Por Antonio Paulo Faria (organização e texto)