Grau de Exposição - Um conceito em evolução

Os riscos de uma escalada e seu conseqüente impacto psicológico sempre foi levado em conta pelo escalador ao escolher uma via para guiar. Mas, no Brasil, só em 1998 é que o grau de exposição aparece de maneira mais formal numa publicação, o Guia de Escaladas dos Três Picos, de autoria de Alexandre Portela, Sérgio Tartari e Isabela de Paoli. Nesta proposta, o grau de exposição apresenta cinco divisões, do E1 ao E5. A graduação de exposição logo se apresentou como um complemento muito bem vindo na classificação de uma via, indicando riscos e definindo estilos de conquistas; se mostrando bem adequado as clássicas vias em parede.

Mas, a escalada é um jogo onde os limites parecem ter uma elasticidade infinita, e nestes quatro anos de vida o conceito do grau de exposição, bem como a sua escala, evoluiu na prática, acompanhando o surgimento de novas vias em novos estilos.

Com o fim dos anos 90, os princípios da escalada tradicional em fendas são levados para as falésias da Urca, através da escalada esportiva tradicional, que expande os limites da proteção móvel inspirado no mais puro estilo ´Hard Grit´, um estilo de vanguarda e que vem crescendo. Só na Urca já são mais de 25 vias abertas (variando do IV E3 ao VIIIb E6), sem falar das vias abertas em Itacoatiara, Itatiaia, Salinas, São Bento do Sapucaí e Paraíba. Dentro deste estilo, as proteções fixas não são utilizadas e a colocação das proteções móveis, em geral, é muito trabalhosa, além da qualidade não ser tão boa, ficando em alguns casos de maneira bastante marginal ou mesmo de forma um tanto exótica, como por exemplo, proteção com clifs e prussiks em lacas. Com estes antecedentes, é extremamente recomendável e conveniente a pré-colocação das proteções e trabalhar a via em top rope, antes de se entrar guiando, daí vem o nome esportiva tradicional.

Este novo estilo força uma revisão do conceito na originalmente fechada escala do grau de exposição. A evolução caminha no sentido de conjugar os riscos envolvidos na queda em uma via e a exigência psicológica para entrar guiando à vista. O caráter de descrição perde a força e passa a ser comparativo, ver quadro abaixo. Assim como o grau técnico, onde não há uma definição melhor para o V grau, do que dizer que é mais difícil que um IVsup e mais fácil que o Vsup. Para o grau de exposição não existe melhor maneira de classificar uma via de E6 como sendo, mais difícil de guiar à vista do que uma via de E5. Este mais ‘difícil’ significa que provavelmente o escalador refletirá mais antes de entrar guiando, em outras palavras sentirá mais receio. O método comparativo é mais adequado, já que são muitas as variáveis que influenciam nesta classificação: dificuldade na colocação de proteções, qualidade das proteções, riscos de queda, distância entre proteções, qualidade da rocha, exigência técnica, entre outros.

O conquistador da maioria das vias neste estilo é Ralf Côrtes, que comenta a evolução do conceito do grau de exposição brasileiro e as diferenças com o sistema inglês de exposição: “O grau inglês é muito mais detalhado que o nosso. Para chegar ao E1 há dez divisões: Easy, Moderate, Difficult, Very Difficult, Hard Very Difficult, Mild Severy, Severy, Hard Severy, Very Severy, Hard Very Severy. Depois vem o E1 que significa Extreme e continua até o E10. A base do nosso grau de exposição é o que foi criado pelo Tartari e pelo Portela. A partir do E5 é só uma prolongação da tabela que já existia”.

Para uma melhor compreensão podemos tomar como exemplo vias de semelhante grau técnico: Ás de Espada (6º VIsup), Aves de Rapina (6º VIsup) e Chega Mais (VIsup). Entre estas vias, certamente conhecemos um grande número de pessoas que já entraram guiando à vista o Ás de Espada, um típico E1. Este número caí substancialmente e podemos contar nos dedos da mão quem fez algo semelhante no Aves de Rapina, uma via com grampeação bem mais longa e que foi graduada em E3. E, até o momento, não temos notícia de alguém que tenha passado à vista no Chega Mais, que está graduada em E5/E6, embora possamos imaginar que isto seja possível para alguns.

Para quem escala em paredes não há mudança nenhuma, já que a escala original de E1 até E5 continua a mesma, seja em Salinas ou na Urca. Acima de E5, até o momento, só existem vias em falésias e o motivo é simples: da mesma forma que é difícil alguém guiar à vista uma via de E6 ou superior, também é difícil conquistar à vista vias deste nível. Imagine um VIIIc em que para colocar alguns dos precários móveis você precise utilizar as duas mãos. Em falésia é fácil e aceito tentar a via em top rope e depois guiá-la, com as peças pré-colocadas.

Mesmo tentando explicar com palavras não há melhor maneira de entender o grau de exposição do que escalando, mesmo que em top rope, vias de E5, E6, E7. A diferença entre elas será percebida no suor de suas mãos.

A utilização de um sistema aberto para o grau de exposição tem a concordância dos autores originais do sistema. Tartari inclusive, conquistou em Salinas, uma via de E6, Crux Credo (VIIc/VIIIa) e Portela comentou para a Revista Fator2: “A escala do E1 ao E5 foi criada dentro da realidade de Salinas. Escalas fechadas vão contra a evolução. Não adianta querer ir contra a evolução natural.”

Este conceito é tão novo que a proposta de atualização para o sistema de graduação brasileiro divulgado pela FEMERJ em www.femerj.org pára no E5. O coordenador do Grupo de Trabalho de Graduação, Frederico Noritomi explica esta posição: “O papel do GT Graduação, em primeiro lugar, é verificar a necessidade e a utilidade dessa alteração. O sistema atual já foi muito bem recebido e absorvido pelos escaladores de todo o Brasil pela sua simplicidade e utilidade. Mas não devemos ignorar inovações que auxiliem a leitura da graduação da via e que sejam úteis aos escaladores.”

O fato é que vias de E6, E7 e E8 já existem na prática. Na graduação de exposição, a questão que transcende na discussão é a grande utilidade de diferenciar as vias de E6 ou superior, para quem pretende entrar guiando à vista.

Exemplos de vias de E5 ou superior

1. Chega mais, VIsup E5/E6, Urca.
2. O Rio de Janeiro Continua Lindo, VIIc E6, Urca.
3. Olho Vivo, VIIb E5/E6, Urca.
4.Os Inocentes, VIIIb E6, Urca.
5. Satisfação, VIsup E5/E6, Urca.
6. Terror na Ópera, VIIb E5/E6, Urca.
7. Urubifa, VIIIb E6, Urca.
8. Viagem ao Fundo do Mar, VIIc E5/E6, Urca.
9. Crux Credo, VIIc/VIIIa E6, Salinas.
10. Fuzzy Logic, VIsup E6, Itatiaia.
11. Boiling Point, VIsup E7, Itatiaia.
12. The Dogging Chop, VIb E6, Itatiaia.
13. Cumadi Frozinha, VIIb E5/E6, Paraíba.
14. Bruxa de Abril, VIIb E5/E6, S. Bento do Sapucaí.
15. Mulheres Exóticas, VIIc E6/E7, Itacoatiara.
16. Kriptonite, VIIIb E6/E7, Itacoatiara.
17. Elfos, VIIIb E6, Itacoatiara.
18. Piratas, VI E5/E6, Itacoatiara.
19. Buraco Negro, VIIb E6, Itacoatiara.
20. A Isca, VIIc E6, Itacoatiara.

Texto: Delson de Queiroz e Flavio Daflon.