A Origem dos Ácidos
Não, este não é um artigo sobre Química Orgânica ou Inorgânica, mas a história do nome das vias que tornaram famosa a Parede dos Ácidos, no Morro da Babilônia, que já saiu em revistas estrangeiras como Acid Wall ou Mur D ‘Acide, conforme o caso.
Início de 1982. Eu estava um dia em casa, à noite, tomando cerveja com a minha ex-mulher, Lúcia Duarte, e com um amigo, Luiz Fernando Mattos, com quem escalei bastante durante uma certa época mas que depois se afastou do esporte. Lá pelas tantas o assunto recaiu sobre os nomes estranhos de certas vias, e rimos muito pois alguns são de fato engraçadíssimos. Aí alguém perguntou qual seria o nome mais exótico que se poderia dar a uma escalada, e chegamos à conclusão unânime de que seria o nome de substâncias químicas. Lembro-me bem do Luiz interpretando um diálogo imaginário entre dois escaladores que se encontram na Urca, com mochila e corda nos ombros, e um pergunta para o outro:
– Aonde você vai?
– No Tetracloreto de Potássio. E você?
– Eu vou no Ácido Glutâmico…
E rimos ainda mais…
Em julho do mesmo ano, olhando a partir da Praia Vermelha para os grandes blocos à direita da parede, eu, que já andava atrás de boas fissuras para escalar com material móvel, percebi que havia uma fenda larga por baixo do teto formado pelo bloco principal, e combinei então com outro amigo, Fábio Barros (o Fábio “Xará”), tentar subi-la. Isso nós de fato fizemos, só que por uma via suja e desinteressante que batizamos de Fissura Nada a Ver.
Ao completarmos esta via aconteceu um fato inesperado. Dois jovens suíços, que estavam hospedados no Leme, tendo olhado no mapa que o ponto de partida do bondinho do Pão de Açúcar ficava exatamente do outro lado do Babilônia, bem perto, portanto, em linha reta, de seu hotel, resolveram chegar lá caminhando por cima do morro, com a despreocupação de quem passeia em uma colina nos arredores de Berna… Desnecessário dizer que quando chegaram no topo eles foram logo cercados por um grupo de meninos armados, que só não fizeram o ganho porque um dos suíços entrou em pânico e saiu correndo em direção ao abismo! Os próprios assaltantes gritaram horrorizados para que ele não fosse naquela direção, mas não a tempo de evitar que ele levasse uma queda e perfurasse a mão em um toco, fazendo um corte bem profundo. O pobre do gringo então desceu correndo na nossa direção, seguido de perto por seu amigo (que os meninos desistiram de assaltar), chegando lá no momento em que guardávamos o nosso equipamento. Vencida a desconfiança de lado a lado, e depois deles nos terem contado o que acontecera, acompanhamos ambos até ao hospital Rocha Maia, onde, aos urros, o suíço teve sua mão costurada.
Se a Fissura Nada a Ver só serviu para que praticássemos uma boa ação, o caminho que fizemos para chegar até ela me impressionou muito, pois percorreu toda a base da parede, que é repleta de lances negativos com grandes agarras. Eu logo percebi que ali poderiam ser feitas muitas vias atléticas da melhor qualidade, bem diferentes das escaladas comuns daquela época. Portanto, na primeira oportunidade, retornei até lá com a Lúcia para subir a via que nos pareceu a mais óbvia, que começou por uma sequência de grandes lacas sólidas e, depois de uma pequena horizontal para a direita, ultrapassou o negativo acima por meio de um lance bem exposto de agarras. A Lúcia então lembrou da conversa com o Luiz Fernando e propôs para a via o nome de Ácido Ascórbico, que eu em princípio não quis por achá-lo muito esquisito, mas acabei concordando.
Alguns meses depois, já no início de 83, acompanhado pelo escalador americano David Austin, conquistei uma via mais à direita, que batizamos de Ácido Lisérgico, e ao longo do mesmo ano três novas vias foram ali estabelecidas por outros escaladores, todas com nomes de ácidos, criando desta forma aquela que talvez seja a primeira falésia “temática” destas bandas: Ácido Lático (Marcelo Braga, Marcello Ramos e André Ilha), ADN (Alexandre Portela e os irmãos Tartari) e Ácido Glutâmico (Alexandre Portela e Sérgio Tartari).
Muitas outras escaladas foram feitas posteriormente, quase todas com nomes de ácidos ou assemelhados (Antiácido, Entre Ácidos), e desta forma não só o nome da parede “pegou” como passamos a contar, desde então, com uma ótima coleção de vias atléticas e de grande beleza na cidade.
André Ilha.
Publicado no boletim do CEC de fevereiro de 2001.